segunda-feira, 11 de junho de 2007

A centrifugação no processo alimentício

O sapo e a parafusa olharam-se durante um interminável segundo. Foi isto exactamente antes do sapo bater com a cabeça no batente da porta da sala de estar, mesmo onde a luz do candeeiro da cozinha incide, para quem vem da casa de banho. «Mas foi um salto de fazer inveja à maioria dos batráquios», sublinhou, para si próprio.
De resto estes segundos eram cada vez mais breves desde que chegara o Verão. A parafusa sabia que se o sapo a olhasse mais que um segundo se aperceberia rapidamente de que ela estava muito mais gorda. Começava inclusivamente a ganhar estrias. Mais estrias que um parafuso na linha. Estava a parecer-se demasiado com um torniquete e o sapo não havia de gostar. Para isso tinha casado com um qualquer batráquio fêmea. Ela que arranjasse companhia na caixa de ferramentas.
Olhou-se ao espelho, demoradamente. Sofridamente. Pensou: «tenho que caber toda neste espelho, a dois passos, até à abertura da época balnear». Depois concluiu que se passavam semanas, às vezes dias, sem que pedalasse um metro na sua bicicleta. Não era uma bicicleta normal, era um daqueles objectos deprimentes em que, por mais que se pedale, nunca se vai a lado nenhum, não sei se sabem quais são. Olhou-a demoradamente. Chorosamente. Finalmente, com a cabeça ainda quente da pancada no batente, o sapo disse:
«Lamento minha cara, mas esse olhar não a vai fazer perder um só grama…»

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