quinta-feira, 21 de junho de 2007

You have the right to play chess

O Sapo gostava de unir as pontas dos dedos como Sherlock Holmes e de estar sentado à lareira, a jogar xadrez com a sua amiga Parafusa. Gostava de exibir as membranas interdigitais que lhe permitiam nadar com destreza, embora não lhe permitissem segurar um cigarro. Também não fazia mal, o Sapo tinha horror ao tabaco. Lembrava-lhe os companheiros mortos em estúpidas brincadeiras de adolescentes.
- É você a jogar, cara amiga. Não desanime, a sua situação não está assim tão má. Estou a pensar em Spassky e na sua controversa teoria do meio jogo. Conhece Spassky? Um momento característico da guerra-fria, o embate com Fischer.
A Parafusa não conhecia nenhum Spassky num raio de 150 km. Tinha um primo ilustre com um nome parecido, que vivia na Califórnia e era um dos cerca de 3 000 000 de parafusos da não menos famosa Golden Gate Bridge. Hoje não estava com paciência para teorias do meio jogo, ou qualquer outra coisa relacionada com o xadrez. Mas, como o Sapo começasse a perder a paciência, jogou como sabia, aproximando-se do seu rei e torre.
- Rock’n’Roll!
- Mas o que está você a dizer?! Não pode fazer Roque depois de ter movido o seu rei na última jogada. Já nem sequer tem a torre!
- Mas ainda tenho esta aqui. Rock Sinfónico! Não, já sei: Mate ao Sheik!
- Mas isso é um rei! Não percebe nada!
- Isto é um jogo reaccionário. Eu gosto de jogos progressistas. As Damas, por exemplo.
- As damas o quê?
O Sapo distraiu-se por um momento com todo aquele ruído que perturbava a sua concentração.
- Os peões, por exemplo. Quase não têm direitos. É revoltante! Espere aí que eu já lhe digo. Vou passar cá um destes xeques ao seu Rei... Dito isto, avançou o bispo em L, o que fez o Sapo entrar em parafuso.
- Basta! Nós assim não podemos…
Mas era tarde para reflexões. O Sapo viu a Parafusa aproximar-se violentamente do tabuleiro e gritar «Xeque Remate!!!» e teve apenas tempo de perceber o que aquilo anunciava. De olhos mais esbugalhados que o costume viu o rei das brancas descrever um arco por cima da sua verde cabeça, e aterrar na lareira no fundo da sala. O Sapo nunca se aproximava demasiado do fogo, com medo de ressequir a sua pele.

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