Esta semana publicamos uma carta da nossa simpática amiguinha Mané, de Celorico da Beira.
Lisboa inaugurou em 1998, com pompa e circunstância, o seu Oceanário. Desde há muito, sem pompa mas aproveitando todas as circunstâncias, Portugal inteiro tornou-se um enorme Patifário.
Um Patifário é um Oceanário – para patifes.
Tal como o Oceanário, o Patifário é a reprodução de um habitat natural, mas em que são optimizadas as condições de vida das espécies a proteger e anulados os predadores. Deste modo, a espécie a proteger – o Patife – encontra reunidas as condições ideais de sobrevivência, desenvolvimento e proliferação, sem que nada estorve a sua constante evolução como espécie.
Aqui, a espécie dispõe de muito amplas áreas líquidas, já que nesta conjuntura quase nada é sólido. De modo a proporcionar a utilização de camuflagem, tão útil a predadores de emboscada, todo o ambiente do Patifário se encontra revestido de leis complexas e obscuras e de mecanismos sociais e legais espessos, pesados e lentos.
Com esse mesmo objectivo, os responsáveis do Patifário recorrem frequentemente a serviços de outros especialistas, que sabem criar correntes de opinião para que a predação seja facilitada, distraindo a espécie que constitui o alimento base do Patife: o parvo.
O parvo labuta por alimento e alojamento, tentando sempre não se cruzar com a espécie protegida. O receio de confrontos leva-o até a pagar altos impostos e taxas abusivas sem protestar, de forma a passar despercebido ao predador. O parvo não tem protecção nem para si, nem para as suas crias, nem para os seus bens, já que os responsáveis pelo Patifário sabem que o seu número imenso continuará sempre a ser suficiente para as necessidades do Patife, tanto mais que esta espécie tão voraz não rejeita o canibalismo.
Neste Patifário medram várias subespécies, que vão desde os Patifes de grande porte até às mais minorcas e desprovidas sub-raças de seguidores.
O Patife de grande porte exibe-se no Patifário, perante olhares admiradores, com todos os atributos da sua próspera condição.
Aqui há tempos desviou uns subsídios, aldrabou um sócio ingénuo que até era amigo dele, arrasou a economia da empresa por gestão desmazelada, deixou de pagar salários, conseguiu manter os empregados a correr atrás da cenoura durante uns meses, declarou falência da empresa e fechou a porta. Na semana seguinte abriu outra empresa, candidatou-se a outro subsídio, vai-se encher durante uns tempos e recomeça o ciclo.
Entretanto, manobrou umas influências, arranjou um cargo num Instituto, fez uma viagenzita numa comitiva governamental. Ninguém o incomoda, nem mesmo quando conduz, cheio de whisky, a 210 km/hora: tem o cunhado no governo.
O Patife de pequeno porte exibe o seu sorriso cheio de auto-estima e conta a toda a gente os seus feitos: não paga nada que não lhe apeteça pagar. Dá moradas falsas, passa cheques carecas. Tem uma ligação directa ao candeeiro da rua e um aramezinho para a TV Cabo do vizinho de baixo. Recebe o rendimento mínimo garantido e a pensão da velha que já morreu há oito anos.
Entretanto, a mulher arranja empregos nos intervalos do subsídio de desemprego e o puto “se não quer ir à escola, não vai – o problema é dele!”. Ninguém o incomoda, nem mesmo quando estaciona a carrinha a bloquear a rua: tem o cunhado na polícia.
Quer um, quer outro, quando ouve alguém queixar-se de alguma contrariedade, diz a frase batida: “Oh pá, isso é porque tu não sabes! Eu cá…” e explica, embevecido com a sua própria inteligência, como tirar o melhor partido das inegavelmente excelentes condições oferecidas pelo Patifário.
Sim! Porque estamos sempre a dizer mal do País, mas em termos de Patifário, não há como o nosso!
Maio 2007
Mané
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